Do que criamos e escrevemos juntos
São Paulo, 23 de dezembro de 2020.
Espero que você esteja bem, cuidando de si e dos seus para celebrar esta última semana deste ano que parece não acabar mais. Imagino que você já esteja em pausa do mundo virtual (que bom!) e talvez não me leia neste dia 24 que esta carta chega. E, de fato, não é urgente. Quando você chegar aqui será bem-vinda/o. Gosto do fato de não ser urgente, porque também não torna o tema e a conversa datados. Hoje mesmo recebi resposta da carta de outubro (aquela sobre os arquivos, sabe?) e me deu uma alegria saber que as conversas ainda podem acontecer no tempo oportuno.
Só queria que esta carta chegasse até hoje para registrar meu desejo de Boas Festas pra você, por mais esquisitas que elas sejam este ano. Que nesta última semana a gente possa ter alguns momentos de serenar, dar um respiro pros nossos sistemas que andaram alertas e operantes por mais tempo que o comum e o natural pra gente... Então, essa carta de dezembro leva esta intenção de olhar apreciativo do ano, para o que criamos e escrevemos juntos. Esta carta é sobre autoria coletiva.
Ao longo do ano, enviei uma carta por mês contando do que vi e pratiquei sobre autoria em cada mês. Em dezembro, ficou nítido este tema da autoria coletiva, porque é o mês em que contribuo com escritos de retrospectiva e boas festas de alguns parceiros. E revisando a narrativa do ano deles, me senti tão incluída, como coautora mesmo daquilo que eles colocaram no mundo no ano, enfrentando os desafios da pandemia, as mudanças decorrentes desses, as inovações... E só pude me colocar nesse lugar de coautora porque estive com eles ao longo do ano. Não foram escritas encomendadas pontuais. Escrevi a partir do que observei junto, pensei junto... E essa coautoria foi uma prática que me deu muito suporte esse ano para seguir fazendo o que acredito. E, claro, afetou e moldou meu olhar e voz autoral. E essa prática me faz revisitar o conceito de autoria que fui tocando nessas Cartas para Destravar sua Voz Autoral.
A autoria hoje não reside apenas na subjetividade, na originalidade, na escrita ou em qualquer elemento exclusivamente individual. Esse tipo de autoria individualista e monológica já foi colocada em xeque no meio do século passado e desde então vive numa crise (transição) para algo que vai além das bordas do texto dito próprio. Na carta de Maio, em que conversamos sobre as definições da Comunicação Autoral, trouxe os elementos da função-autor, do discurso e do poder para pensar autoria. Vejo o sujeito autor contemporâneo não como fonte, mas como ponto de convergência de múltiplas vozes e perspectivas. Nesse sentido, ele pode ser centro de autorias coletivas, que partilham conhecimentos e constroem juntas um olhar sobre um foco (que só pelo fato de somar observadores, se expande). Sai da experiência singular e entra na cultura do entre - o lugar onde o 'nós' se encontra.
Como autores em 2020, vivenciamos uma travessia coletiva de um tema comum e cada um de nós, com seu olhar e modos de ser-ver-colaborar respondeu a múltiplas situações críticas que se apresentaram seja nos âmbitos individuais, locais e até globais (acho que a gente não tem ainda uma régua muito boa pra medir o impacto de nossas ações, mas certamente vimos que ela existe este ano e já é um começo). Mesmo 'isolados', compartilhamos diversos temas, linguagem e valores intersubjetivos que só essa experiência pandêmica comum pôde nos trazer.
Vejo essa autoria de 'nós' com mais potencial de ser centro de inovação, no sentido que o Arthur Koestler dá: o centro que conecta pelo menos duas coisas ou questões que estavam, até então, desconectadas. Autoria coletiva integra naturalmente as perspectivas de no mínimo dois olhares que, por sua vez, trazem a soma de múltiplas vozes e, por isso, são capazes de promover inovação, criar soluções mais sistêmicas, ampliar a consciência de nosso modo individual de pensar, nossas interpretações e julgamentos. Isso tudo, claro, se estivermos abertos a esse entrelaçar de nós. A autoria coletiva expande a individual e abre espaço para uma autoria integral (muita viagem? fica de ideia pra outra carta, então, rs).
Sabe, eu penso que lapidar sua comunicação autoral é entrar num sistema mais complexo do que sua expressão falada ou escrita. No âmbito do "eu", envolve observar sua relação com vozes pras quais você dá ouvidos (que estão presentes pra você), com referências (do seu fundo do baú até pesquisas atuais), inclui aprender a articular esse 'vozeiral', estruturá-lo, cuidar da plasticidade disso (escolha das formas e imagens que usa para contar o que você vê)... No espaço do "nós", das coautorias, inclui esse mesmo olhar, com abertura para compartilhar, relacionar, abrir-se para uma narrativa cultural que pode (e vai) afetar seu "eu" (experiência individual). E, acredite, você já está nessa arena de complexidade. Você não foi só para dentro de você esse ano... que nós você entrelaçou e desatou por aí em 2020? Como eles afetaram sua voz autoral?
Que 2021 não silencie nossa autoria. Que seja um ano de mais fluidez para nossas autorias individuais e coletivas expressarem e manifestarem uma cultura de convivência saudável conosco e com o mundo.
Me conta se destravou algo por aí?
Com carinho,
Carol
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