Saindo das Entrelinhas
São Paulo, 1o. de março de 2021.
Faz um tempo que não nos correspondemos, então começo numa mistura de cobrança interna por não ter escrito antes e animada para retomar nosso contato por aqui, contar um pouco de tudo que aconteceu neste ano-que-continua-pandêmico, não muito novo, mas que move muita coisa por aqui e acaba trazendo novidade "do mesmo da mesmice". Começo pela justificativa: até fevereiro priorizei os atendimentos e a escrita de um artigo para trabalho final de um curso sobre Roland Barthes, um autor francês que hoje a gente chamaria de multipotencial, por não se encaixar numa carreira e subverter as etiquetas padrão de professor, escritor, pesquisador da época.
No curso, estudamos projetos de pesquisa do autor a partir de seus seminários das décadas de 60 e 70 e discutimos suas estratégias para dar aulas e escrever seus textos. Passeamos pelas pesquisas dele sobre mensagem publicitária, retórica, discurso da história, análise de narrativas, autoria e prazer do texto. Barthes estudou muitos campos de discurso, antes mais restritos aos profissionais especialistas, que hoje fazem parte do nosso cotidiano, com nossa forma de comunicar via redes sociais, esse mundo gerador de tanta informação e fake news, modos de divulgação e persuasão, construção e disputa de narrativas, e também de conexão entre pessoas. O estilo dele de escrever e lecionar, articulando o que pesquisava, o que sentia e via no mundo e buscando continuar o diálogo com o outro (aluno/leitor) é muito semelhante ao que percebo hoje quando se defende uma comunicação autêntica, expressando sua voz singular, aberta ao aprendizado, a construir com o outro. Sei que parece que tô trazendo notícias velhas (as top trends do passado, rs), mas acredito muito na inovação como uma motorista que olha pra frente e pro retrovisor, atenta a todos esses sentidos para agir na direção. Se a gente não olha o retrovisor, parece que todo horizonte é novo, quando a maioria é continuidade.
E criar a partir dessa ideia de continuidade demanda muita articulação. Me conta, você gosta mais de começar um novo projeto, de sustentar um projeto antigo ou de terminar? O que é mais fácil pra você? Tenho aqui a impressão (de orelhada mesmo, não fui a fundo nessa pesquisa) de que a maioria das pessoas gosta de começar. Ideias novas vêm com um pacote de incerteza e motivação apaixonante. Continuar move outras paixões: um banquete de mistos de alegria e empolgação com outros de revolta e tristeza que a gente só sente o sabor depois de algumas mastigadas - qualquer semelhança com empreender (especialmente seu projeto autoral) não é mera coincidência. Por que será que a gente tem tanto trabalho para dar continuidade?
Ainda acredito que é porque nos ensinaram a subir uma escada progressiva (sempre em frente, pra cima). E a gente tá aprendendo há pouco tempo a caminhar na escada recursiva (com degraus e corredores que fazem a gente retornar sem repetir, em espiral, que continua, mas a gente não sabe bem pra que direção). E, bom, o artigo foi um grande exercício de recursividade pra mim - procrastinei a escrita, comecei e parei várias vezes porque sabia que ia dar trabalho, li um monte de coisa porque achava que ainda faltava argumentos e referências, revi aulas, entrei no modo de ficar estudando mais antes de sentar e escrever - sabe como é? - mas fiz. A dificuldade não era ter a ideia pra escrever, o elemento novo pra contar, mas articular o discurso para sustentar a ideia. Escrevi sobre a autoria nos nossos tempos, porque a figura do autor na história já mudou muito de identidade: de proprietário, ao gênio/guru da escrita, a um morto secundário ao texto até o autor além do texto, o autor da vida. Penso que o autor contemporâneo não é mais só quem escreve, mas quem entende que sua linguagem cria possibilidades e novas realidades.
E quando falo de criar novas realidades com a linguagem não tem nada a ver com repetir palavras ou afirmações positivas (você pode escolher fazer isso com a sua linguagem, mas não é desse pressuposto que parto). Tem a ver com questionar incômodos que inquietam e cômodos que fazem a gente ficar no mesmo lugar. Tem a ver com apreender, captar a própria realidade, o tempo vivido e o que deseja viver; com aprender, dedicar-se ao aprendizado como um valor em si que dá sentido à vida, não só como valor utilitário (para ter mais chancelas no currículo); com empreender, no sentido de propor algo, fazer algo que tenha sentido pra você e pro mundo, buscando gerar impacto positivo não só pra si, mas também para as pessoas, as relações e o meio em que habitamos.
Neste ano, é esta espiral do apreender-aprender-empreender que vou sustentar para expandir a Comunicação Autoral. Expandir no sentido de encorpar essa ideia com mais pessoas pensando e fazendo junto. O que você acha? Se você leu até aqui, saiba que você faz parte disso. Agradeço por isso, mesmo!
Me conta também suas novidades e mesmices até aqui?
Com carinho,
Carol
mais algumas linhas escritas este ano