Uma carta para quem também trabalha com o que cria com suas habilidades, imaginação e as próprias mãos
Sobre comunicação, humanização e consciência na creator economy (economia de criador)
São Paulo, 22 de julho de 2021.
Aqui começa um novo jeito de enviar as Cartas para Destravar sua Voz Autoral. Você continua recebendo cada uma por e-mail e, caso queira reler alguma carta anterior, pode acessar o baú da Comunicação Autoral no Substack! Hoje resgato um texto recente que publiquei no Slow Business Hub em junho para ampliar a discussão sobre o tema da creator economy por aqui também.
Mês passado, a Ana Fragoso publicou um post sobre Creator Economy (tradução livre para economia de criador, por falta de termo melhor ainda) e acendeu uma lanterna num caminho que por aqui ainda (no Brasil) ainda parece um túnel muuuuito extenso e escuro. No post, ela denuncia o fato de o modelo de negócio digital brasileiro estar ainda apegado ao formato curso on-line, formato que acompanho desde 2010 quando negócios ligados à Educação informal abraçaram a Educação a Distância (EaD), como escolas de treinamento, editoras, entre outras instituições destinadas a aportar conhecimento para adultos (para público interno, em seus e-learning corporativos, e fora, como cursos autodirigidos).
{uma pausa pras distinções: apesar de ser um conceito vivo, sem definição única, a creator economy aparece hoje ligada à monetização da produção de conteúdo nas mais variadas formas por meio de habilidades individuais, transformando hobbies e paixões em trabalho - daí ela ser inserida num conceito mais amplo, de passion economy (economia da paixão), cunhado pela Li Jin (2019). Quem já atua como empreendedor criativo pode ter lembrado de outro conceito presente no nosso vocabulário: a economia criativa (creative economy), que vejo como o grande guarda-chuva que abriga a passion e a creator economy. A Economia Criativa data de 2001, com o lançamento do livro do John Howkins com esse título, que analisa sistemas econômicos em que o valor está nas ideias e em habilidades ligadas à imaginação e criatividade. Este artigo do John Newbigin resume a história das indústrias criativas até a economia criativa e alguns de seus impactos culturais e sociais (no contexto britânico).}
Fim do panorama rápido, seguimos agora olhando pra isso desde o Brasil (e mais especificamente no meu caso, desde São Paulo). Quando o mercado passou a pessoalizar a carreira como uma responsabilidade de cada um de nós e não das empresas contratantes mudou nossa relação de trabalho, com custos e riscos transferidos todos para nós, trabalhadores/as. Em 2017, a quantidade de trabalhadores autônomos (sem carteira assinada) superou o número das que têm carteira no nosso país. Esse dado eu tirei desse estudo que traz uma síntese criativa do histórico do trabalho no Brasil.
Bom, fato é que a transformação estrutural no mundo do trabalho me trouxe até aqui, trabalhadora autônoma, discutindo formas de expressar, estruturar, rentabilizar e sustentar este trabalho autoral. Pra quem, como eu, tá nesta caminhada, acho importante reconhecer em que chão está pisando para não cair ingenuamente na narrativa do trabalho por amor, por missão, apenas. Vejo a Economia dos Criadores como um ecossistema que nasce de uma crise do mundo do trabalho tanto individual (crise de sentido) quanto coletiva (crise econômica). Nascida há pouco mais de uma década, hoje esse mercado já conta com mais de 50 milhões de pessoas em todo mundo, que se dedicam de alguma forma ao que é produzir conteúdo pela internet, nos mais diversos formatos de texto, vídeo, design, fotografia etc. Nos dados de pesquisa da SignalFire, desses 50 milhões, ~48 milhões são criadores chamados amadores e só ~2 milhões são profissionais, ou seja, a esmagadora maioria é de profissões que se viram chamadas (ou atraídas, ou obrigadas) a colocar seu conhecimento na roda da Economia dos Criadores. E mesmo assim nos sentimos tantas vezes pressionados em seguir estratégias de marcas e agências profissionais... Por quê?
{salto enorme para o próximo assunto} Bom, mas eu quis trazer todo esse conteúdo para puxar o fio da Comunicação. Quando se fala de comunicação autoral, slow autêntica ou consciente, noto que há valores de humanização e de consciência que são atribuídos a essa forma de comunicar. E como sei que esses dois termos aparecem muito na expressão de nós criadores dessa nova economia, acho que cabe a gente investir um tempo na definição delas (mesmo sabendo que não tem resposta certa pra elas).
Para consciência, trago uma definição da Viviane Mosé (2011): "[...] a linguagem fez nascer a consciência, não no sentido de espelhamento de si, de desdobramento [...] mas como um aparelho de linguagem e valores, uma instância de avaliação, um filtro, que passou a existir entre o homem e o mundo. [...] A consciência é uma grade interpretativa que traduz a vida para um universo específico de conceitos e valores e se tornou a instância moral por excelência." Então, quando a gente usa comunicação consciente, marketing consciente ou abordagem focada na ampliação da consciência, sob essa perspectiva, a gente tá falando de dar a ver aos outros as lentes de linguagem e valores que elas estão usando viver e estar no mundo. Quando a gente adota consciente como adjetivo, é importante tentar clarear o receptor (público, leitor, espectador) consciente de quê, no meu caso aqui com a comunicação autoral, tento tatear a ampliação da consciência linguística: pelos usos das palavras, expressões e construção da pessoa. Isso me conta um tanto da moral, ética, estética dos modos de pensar da pessoa. Uma pessoa consciente, nesse sentido que trago pra gente discutir, não é melhor que outra, ela só pôde ter acesso a essa sofisticação que reside na sua própria forma de se expressar, e, com isso, pode abrir possibilidades que antes não estavam à vista.
E uma dessas possibilidades é reivindicar a humanização: da forma de comunicar, de se relacionar e de viver. No caso da comunicação, noto que há dois pedidos principais no mercado de criação de conteúdo:
- Expressão autêntica da própria voz (ser quem se é e ser notado/a, criativo/a, relevante, útil...)
- Necessidade de contato, de se relacionar com as outras pessoas e com o meio (busca de vínculo, de troca, de trabalho...)
(sobre contato, o Prof. Muniz Sodré (2016) traz uma definição linda, dizendo que contato não é só conexão, é "uma configuração perceptiva e afetiva que recobre uma nova forma de conhecimento, em que as capacidades de codificar e descodificar predominam sobre os puros e simples conteúdos.")
Para atender ambos os pedidos, vejo que conversar sobre como a gente pensa e se comunicar são chaves fundamentais para construir uma cultura econômica viável e sustentável no tempo em torno de nosso potencial criativo e de nosso conhecimento como ativos (inclusive como caminho para reivindicar direitos que deixamos de acessar quando abraçamos o trabalho autônomo).
{e toda essa carta nasceu de algumas perguntas que estavam vivas em mim: o que crio e entrego está a serviço de quê (abstratamente e concretamente), de quem e de que canais? Aquilo que crio pode ser valorizado na Economia dos Criadores de que outras formas? Como este conhecimento e conteúdo podem abrir novas oportunidades de rentabilidade sustentável?}
Depois desse panoramão do que vejo acontecendo fora e dentro de mim em torno do chão que me vejo caminhando com meu fazer, quero saber de quem também está nesta jornada. Se essas perguntas também estiverem (ou ficarem) brotando por aí, compartilha comigo? Esse tema é muito novo e dialogar é o jeito que temos de ir criando juntos/as o futuro dessa nova economia.